terça-feira, 23 de setembro de 2008

02 - Acordei com uma puta dor de cotovelo...

Tudo começou em 1979 com o Nakano.

Deixa eu lhes apresentar: Nakano era meu primeiro skate. Um brinquedinho de acrílico fumê transparente, lindo, lindo. Naquele ano, skate virou uma febre em São Caetano do Sul. Recentemente, assistindo ao filme The Lords Of Dogtown, que conta a história do esporte e de seus precursores como Tony Alva, Jay Adams e Stacy Peralta, vi que os primeiros shapes que saíram da California, em 1976, foram vendidos para a Austrália e para o Brasil. Eram shapes fabricados de forma bem artesanal, em madeira maciça e esculpida ou colados. Conheci esses mesmos shapes em 1979, pois não haviam evoluído muito nesses três anos. Mas o Nakano - o poderoso Nakaninho - tinha seu shape com uma rabeta curvada para cima e um bico apontado para baixo. Um design lindíssimo! Logo na estréia, sem muita habilidade, soquei o nariz do Nakano num poste metálico de iluminação e adiós bico... Não demorou muito e a rabeta teve o mesmo destino... A parte que sobrou não podia sequer respingar de água, que ficava mais lisa que sabonete escapando da mão esquerda para a direita, esquerda, direita e indo parar no chão... ô skate de acrílico do caralho!!! Mas o seu Zé Fioretti, meu avô, deu um jeito e fez um shape de madeira compensada, pintada de verde. E pregou uma lixa com tachinhas na volta toda. Você tem idéia de como é um skate verde, de compensado plano e com uma lixa presa com tachinhas? Nem queira ter. E você tem idéia do que é chegar com ele, no auge dos meus nove anos de idade, no meio daqueles marmanjos de 14, montados em importados Hang Ten ou nos nossos Torlay, Costa Norte, DM? Vamos pular essa parte, ok?

Meu nakano (agora ele se tornara um nakano com letras minúsculas) verdinho, de compensado plano e lixa gasta presa com tachinhas durou até 1984. Nessa época, com o abono do primeiro emprego do SENAI, fui até a Franete. Era uma famosa loja de skate daquela época que contava com um half pipe que soltava tinta verde em quem chegasse perto, e comprei um modelo bem grandão, com lixas coladas e coloridas, shape de modelagem côncava e eixo de alumínio de 160 mm. Um Opalão dos skates.

Numa manhã fria, acordei de madrugada e às 6h30 peguei o Viação Triângulo até o Paço Municipal de São Bernardo do Campo, cidade onde passei a morar desde  julho de 1979. Certamente, por volta das 7h00 da manhã, não haveria nenhum retardado como testemunha e eu poderia levar os primeiros tombos no bowl à vontade, até aprender algumas noções básicas. Bowls são aqueles buracos para skate...
Ainda mais cedo havia dois putos que tiveram a mesma idéia que eu!!!

Andava de skate do bowl prá rua de casa, pro bowl, prá ladeira de paralelepípedo na esquina de casa. É verdade. Era um ladeirão e eu sou o inventor do skate de paralelepípedo, cujo único praticante que conheci até hoje fui eu mesmo! Em 1992 parei de freqüentar o bowl, que agora tinha, no seu entorno, uma skate park com um half pipe, algumas mini rampas e alguns obstáculos bem interessantes como um que lembrava uma batata ruflle. Fiquei restrito às calçadas esquisitas da rua da minha mãe, às ladeiras dos lugares que viajava, ao gramado aparadinho no entorno da Pousada Casarão, em Visconde de Mauá (depois de algumas batidas de capim com leite condensado), às calçadas de Suarão... Em 1996, me casei e decidi praticar engorda de pança, um esporte que vai na contramão do skate, como todos sabem. Em 1997, eu fui agraciado com algumas rampas de concreto do outro lado da rua onde morava mas esse parque durou apenas alguns meses até que o abaixo assinado dos moradores arrancasse a pista da praça. Voltei a praticar engorda de pança. Não raro eu me flagrava descendo a rua da casa da minha mãe. Como a Prefeitura asfaltou a ladeira da esquina o skate de paralelepípedo entrou em extinção e nunca mais se soube de outro praticante.

Parque da Juventude Cittá di Marosica - Pista de Skate de SBC
Julho de 2008. Primeiro aniversário da reinauguração da skate park do Paço Municipal de São Bernardo do Campo, o ousado projeto Cittá de Marostica, que compreende também uma praça generosa para prática de diversos esportes radicais, como alpinismo indoor, tirolesa, salto de bike, trekking etc. Um grupo de freqüentadores jurássicos do velho bowl resolveu fazer uma sessão às segundas-feiras chamada Old School. Só se entra com mais de 35 anos de idade. O charme é chegar por lá com cabelos grisalhos... Em alguns casos, o charme é chegar lá com cabelos. Melhor ainda é aparecer por lá com os velhos Tarlay, H-Prol, DM, Costa Norte. Só não vi ainda um único puto aparecer com Nakano de acrílico, quiçá nakano de compensado verde plano com lixa gasta presa com tachinhas... Fora esse último modelo, o Fiat 147 dos skates, quando surge qualquer outro dos anteriores, o pessoal faz uma roda em volta da preciosidade para admirar, para relembrar aqueles tempos.

Apareci por lá com meu skate com algumas peças remanescentes de outras décadas. O eixo ainda era aquele H-Prol de 160 mm e muitos vieram olhar de perto a raridade de pouco mais de 23 anos. Só meu shape era novo. Um long board compridão que chamava a atenção de longe. Cheguei apavorando e fui logo para a primeira rampa. Então, me lembrei que de 1992 para 2008 são 16 anos longe de uma pista de verdade... puta que pariu!!! O Old School é um sucesso, a skate park lotada, o long board chamando olhares para o cara montado nele. E se meu revival culminasse num tombão do tamanho do long board pela falta de prática. E agora? O que fazer? Sair correndo e nunca mais aparecer por lá? Esconder a cabeça em um buraco?

Mas a pista era nova e não tinha buracos... Olhei para baixo... dois metros se transformaram em 50... 30 graus se tornaram 85... aquelas 30 pessoas se tornaram o Maracanã lotado...
Fodeeeeeeeeeeeeeeeeu!!! Era caminho sem volta. Respirei fundo e... tziiiiiiimmmm.

Ué, não caí? Porque não caí? Ebaaaaaa!!! Consegui. Fui de novo e não caí. No mês de julho não caí nenhuma vez... nem no de agosto... Mas no de setembro ganhei confiança e arrisquei manobras mais fortes. E mais rápidas... Até que um japonês entrou na minha coxa direita. Ou minha coxa direita entrou no caminho do japonês. Ainda deve ter alguma parte do ombro dele na minha perna. A bateria do celular que estava no bolso da bermuda dobrou. Mas foi só um pouquinho, nem chorei.

Ontem à noite, com a coxa ainda doendo só um pouquinho, a tal da confiança deu o ar da graça e levei outro tombaço. Aí, tenho que lembrar ao leitor que skatista que é macho deixa a cotoveleira em casa porque esse acessório é só para mocinhas.

Essa manhã acordei com uma puta dor de cotovelo...

2 comentários:

Anônimo disse...

Skate é arte.
Cair faz parte...
Alma jovem, corpinho nem tanto, mas as rodinhas não enxergam o tripulante, certo?

Rato Elétrico disse...

Essa história teve continuação. 12 de maio de 2009 quebrei o radio longitudinalmente. Não foi outro celular não... foi o osso duro de roer do braço direito. Não posso nem ouvir mais falar em fisioterapia mas o braço ficou lindão de novo!!!