terça-feira, 5 de maio de 2009

10 - Mofongo é um organismo vivo e se multiplica

Qual a primeira coisa que lhe vem à mente quando alguém lhe diz 'mofongo'?
Era 17 de junho de 2007. Meu então chefe chegou subitamente e perguntou como estava meu passaporte. "Vc embarca para República Dominicana dia 25 de junho". Obviamente, meu passaporte estava vencido.
Apenas para situar meu caro leitor, nessa época aconteciam aquelas filas homéricas para emissão do novo passaporte brasileiro com 16 itens de segurança. A Polícia Federal atribuia as filas à coleta informatizada de dados biométricos, como impressões digitais e foto. Naquele mesmo dia preenchi o requerimento, paguei e me preparei para uma fria noite de inverno ao relento, na frente da sede da Polícia Federal, na Lapa. Cheguei por volta das 22 horas e não era o primeiro. Esses, haviam chegado por volta das 20 horas. Os ponteiros não andavam e, puta merda, como fez frio naquela madrugada. Teve de tudo. Gente querendo furar a fila, outros querendo comprar lugar, um filha da puta de um fotógrafo do Estadão que queria me fotografar. Cacete, já não bastava a humilhação de estar ali e o parasita do sofrimento alheio ainda queria estampar meu rosto em uma banca de jornal ou na Internet para todo mundo ver. A madrugada encerrou com a Kelly Varraschim ao vivo, no Bom Dia São Paulo, mostrando os primeiros "brasileiros" da noite anterior e a maratona a que a Polícia Federal nos sujeitava. "Brasileiros" define bem! Ah, eu fiquei meio de lado para não aparecer no telejornal matinal da Globo pq meu humor não era dos melhores, eu não havia me banhado ou me penteado e sequer escovado os dentes.
Uma semana depois eu estava embarcando. Se eu for contar aqui como a operadora conseguiu emitir e perder dois cartões de crédito internacionais no mesmo dia, poucas horas antes do embarque, não chego no 'mofongo' nunca. Deixa essa história para outro dia. Embarquei sem cartão de crédito internacional mesmo, com um punhado de dinheiro no bolso.
No aeroporto, me encontrei com o meu então outro chefe, o Jax Del Rock. Vc pensou que só pq é chefe tinha que ter nome de índio? Resolvi dar esse nome para ele e ponto final.
Durante as sete horas até o Panamá e mais as quase duas até a República Dominicana, eu traçava minha estratégia para driblar a falta do idioma espanhol. Era só falar em Inglês, oras. Todo mundo fala Inglês. Como a minha empresa era a coordenadora dos negócios na América Latina, os dominicanos que teriam a obrigação de falar em Inglês; e eu não precisaria falar Espanhol.
Pronto. Estratégia definida!
É necessário escrever aqui que eu tomei no furico legal? Acho que não...
Me senti um idiota mudo que compreendia levemente alguns dominicanos hablando Espanhol pelas palavras que soavam mais ou menos parecidas com sua definição em Português mas, na hora de falar qualquer coisa, nem que fosse um simples Muchas Gracias, a boca travava de um jeito que não gosto nem de lembrar. Nessa hora o Jax Del Rock era minha salvação e me livrou de umas poucas e boas. Ou seja, uma população inteirinha hablando Espanhol e o mundo não estava girando ao meu redor, como eu planejei durante o vôo. Foi muito mais humilhante que a fila da Polícia Federal pq, no mínimo, eu estava representando a minha empresa com uma esmerada incompetência. Que merda... só de lembrar me dóem o cérebro e as bolas...
Foram dois dias de muito trabalho e aplicação. Mas o muito trabalho durante o dia tinha suas compensações à noite. Conhecemos o Cigar Club Arturo Fuente, um clube de charuto com uma decoração lindíssima em madeiramento escuro e muito couro; um piano de cauda, negro, ao fundo; uma sala climatizada para os vinhos e outra com temperatura e humidade controladas repleta de charutos para todos os gostos e bolsos. Conheci um restaurante de cozinha mediterrânea chamado Scherezade com uma comida deliciosa que exalava muitos aromas. Fomos ao Hard Rock Café de Santo Domingo, no centro histórico da capital dominicana. No sábado, tínhamos a tarde livre e fomos ao Adrian Tropical, um restaurante típicamente dominicano na orla caribenha. Por ser um restaurante praiano, de cara, pensei que teria me fodido mais que na fila do consulado e no idioma espanhol juntos. Quem convive comigo sabe o quanto não gosto de peixes. Aliás, não consigo comer nada que nade e não foi por falta de tentar. Eu juro!!!
Nosso cicerone, Mr. Rumba (vou chamá-lo assim), fez algumas sugestões de pratos e bebidas típicas. Muitas palavras do idioma espanhol se parecem com suas similares na Língua Portuguesa. Mas, curiosamente, acho que nenhuma comida em espanhol se parece com porra nenhuma em Português. Ou seja, se "jiló" fosse uma palavra da Língua Espanhola, a sua tradução para o Português talvez fosse algo como "maçã assada", "macarronada ao sugo", shop suey com molho de alcaparras", "picanha do Fogo de Chão", "saltar de pára-quedas", "pegar o Metrô de Paris", "encoxar a mãe no tanque" ou qualquer coisa parecida com as anteriores, menos "rriloh". Eu rezei muito para Mr. Rumba não ter pedido peixe, frutos do mar ou para o garçon não trazer minha mãe para ser encoxada... Quando chegaram os pratos sugeridos tinha um muito parecido com um caldo de piranha ou de caranguejo, meio amarelo-dourado e encorpado. "Fodeu, fodeu, fodeu..." Contei até três e mandei uma colherada prá dentro!!!
Era um gosto como um caldo de capim com bambu verde moído. Ai, que sorte!!! Como tudinho, aliviado. O suco, era de limão com morango e melão. Esse era delicioso de verdade. Tomaria uma jarra inteira. O outro prato típico era idêntico ao quibe libanês vendido na região da 25 de Março. Uaaaaau!!! Comida dominicana é muito boooooa!!!
E o prato principal? Vamos ao cardápio:
Se vc, meu caro leitor, não domina a Língua Espanhola, dá um clique nesse cardápio acima e escolhe um prato, só de farra! Não se preocure. Lhe asseguro que vc não vai pular de pára-quedas e nem encoxar sua mãe no tanque.
Seis pessoas na mesa. Mr. Rumba sugere 'mofongo' como prato principal e quase todos aceitam. Finalmente Jax Del Rock se decide pela delícia caribenha e eu tb opto pelo 'mofongo'. Afinal, todo o restante do cardápio estava em russo ou grego e eu já havia aprendido a falar 'mofongo'.
Eis que surge uma cumbuca de madeira com uma pilha enorme de bananas da terra verdes e fritas com pequeninos pedaços de carne; um potinho do misterioso caldo de capim com bambu; um pote de pimenta com um pincelzinho e; uma cumbiquinha de carne de vaca frita com ervas. Olhei em volta e um bando de vorazes devoradores de 'mofongo' se deliciavam com aquela guloseima. Então parti para o ataque ao misterioso ser.
Coloquei um pouco no meu prato e logo na primeira garfada aquele outspace dos infernos começou a inchar na minha boca. Tenho certeza de que dei apenas uma garfada mas parecia que havia umas cinco garfadas socadas na minha boca. E o estranho ser se multiplicava no meu prato. Parecia aporte de matéria pois, ao mesmo tempo que o 'mofongo' desaparecia das demais pilhas ela surgia na minha frente.
Quando olhei para o lado o Jax Del Rock tb estava sendo atacado pelo seu 'mofongo' mutante. Bravamente, Jax misturava pimenta ao seu 'mofongo' para melhorar o gosto. Então comecei a misturar à minha pasta de bananas verdes o tal caldo de capim com bambu para ver se descia. Agora a pior parte: os outros quatro já haviam terminado e nos observavam...
Mais uns dez minutos e finalmente o Jax Del Rock desistiu do seu 'mofongo' e eu empurrei o meu para o centro da mesa antes mesmo que alguém olhasse para o último remanescente da batalha.
Caro leitor, posso lhe assegurar que, alguns dias depois dessa viagem, iniciei meu curso de Língua Espanhola.

Ah, se a descrição dessa iguaria dominicana lhe apeteceu,
então segue abaixo a receita de mofongo do chef Kevin Fabian, do Restaurante Bice - São Paulo.

Pernil pequeno de porco
Sal
Pimenta do reino
Ervas frescas
Alho moído
1 dúzia de bananas da terra verdes
Óleo para fritar as bananas


Temperar o pernil com sal, pimenta, tomilho, sálvia,orégano e alecrim. Colocar alho moído e vinagre e deixar marinar por uma hora.
Leve o pernil para assar em forno médio alto por uns 20 minutos e corte em fatias finas. Descasque as bananas, retire as pontas e corte em rodelas de uns 2 centímetros. Coloque a banana para fritar em óleo não muito quente, em fogo brando por aproximadamente 3 minutos. Retire as bananas escorrendo em uma escumadeira.
Coloque em um pilão 4 rodelas de banana, 1 colher de chá de alho moído e uma pitada de sal e processe. Repita esta operação até atingir a porção desejada. Arrume em uma tigela pequena uma parte da banana amassada, coloque fatias do pernil e cubra tudo com banana amassada, pressionando bem e em seguida vire no prato que vai servir. Guarneça com o molho que ficou na assadeira do pernil e decore com ervas frescas a gosto.

Buen apetito!!!

6 comentários:

Anônimo disse...

É... depois dessa mofongada ele come o meu feijão com arroz ajoelhado e rezando!!!!

Srta. Tuppence Beresford disse...

Que medo desse mofongo!!! Eu hein!... Mas até que, pelos ingredientes, a gente nunca imagina que vá se tornar algo tão... vivo!

Realmente, o pior da língua espanhola e tais são as palavras semelhantes ao português, mas que significam qualquer outra coisa. Não dá pra rolar uma enganadinha... tô bem precisando de umas aulas tb!...

Situação parecida só passei na Inglaterra, quando QUASE provei o temido Pudim de Yorkshire (feito de rins)... mas me safei pq na hora do vamuvê a minha anfitriã esqueceu no forno e queimou tudo!

Se isso não foi ato de Deus, não sei o que é! =P

bjo!!!

Srta. Tuppence Beresford disse...

"Jax Del Rock" ---> Zack de La Rocha?

hummm... só checando.

Juliana Vermelho Martins disse...

HUAHUAHAUHAUHAUAHUA
Chorei de rir! E tive pelo menos umas três idéias do que escrever no meu blog. Aguarde! :-)

Olha, quando viajar, diga que vc é adepto daquela seita que vive de luz. Fale que vc é um ser evoluído e que faz fotossíntese para se alimentar. E, com cartão ou sem cartão, leve uma mala cheia de biscoito água e sal porque isso desse com qualquer coisa líquida!

No fim das contas, eu estou é inchada de tão importante só de conhecer alguém que já foi comer mofongo na República Dominicana!!! Ôxe!

Juliana Vermelho Martins disse...

Ah! E depois de anos de angústia linguística, fiz um curso de fonética de quatro meses e descobri ENFIM porque nós entendemos (pelo menos eu achava que entendia) o espanhol e eles não entendem LHUFAS do que a gente diz! É tudo uma questão fonética, juro!

Rato Elétrico disse...

Rose, como mesmo!!!
Sra. Tuppence, quando vamos conhecer a história do tal pudim?
Juliana, diante do mofongo a gente pode acabar verde de fome e é até capaz da tal história da fotossíntese colar mesmo. Quanto ao Espanhol, parece que temos sete vogais e eles apenas cinco e seria essaa dificuldade fonética, não é?
Bjs a todos!